Maio de 2012. Mesmo antes da votação de 31 de Agosto desse ano já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete. Os anos passaram mas no essencial tudo continua na mesma. Será isso sinónimo de estabilidade?
O secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipadamente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.
No dia 31 de Agosto viu-se que ele tinha razão. E teve não porque a Oposição, nomeadamente a UNITA, não tivesse capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe.
Falemos então das eleições em Angola. Se os oitenta e tal por cento conseguidos não chegaram para o MPLA se lembrar dos angolanos, é bom que o povo lhe dê sistematicamente mais de… 100%.
Mais de 100%? Sim, claro. E ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacional, nomeadamente em Lisboa, são sempre escritos antes da votação, tal é a certeza de quem serão vencedor.
Todos se recordam, embora poucos se atrevam a dizê-lo, que o anterior Presidente, José Eduardo dos Santos, disse no dia 6 de Outubro de… 2008 que o Governo ia aplicar mais de cinco mil milhões de dólares num programa de habitação que incluía a construção de um milhão de casas.
A construção de um milhão de casas para as classes menos favorecidas de Angola e jovens foi, aliás, uma das promessas da então campanha eleitoral mais enfatizadas pelo Presidente da República de Angola e do MPLA, partido que governa o país desde 1975.
José Eduardo dos Santos admitia, com emblemático índice de modéstia, que “não seria um exercício fácil”, tendo em conta que o preço médio destas casas, então calculado em cerca de 50 mil dólares. Apesar de tudo, com a legitimidade eleitoral de quem só não passa os 100% de votos porque não quer, assegurou que “já se estava a trabalhar” nesse sentido. Foi em 2008.
“O objectivo dessa estratégia é proporcionar melhor habitação para todos, progressivamente, num ambiente cada vez mais saudável”, disse Eduardo dos Santos. Não se sabe se ainda alguém se recorda disso… Mas se não se recorda, vai agora voltar a ouvir a mesma história.
Como disse o então vice-presidente da Assembleia Nacional, o general João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitiria dar continuidade à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social. Não é engano. É o mesmo João Lourenço.
João Lourenço tinha toda a razão. Só assim seria possível dar continuidade ao programa que mantinha perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidade infantil era a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças; em que só 38% da população tinha acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tinha acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, eram e são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentavam problemas ao nível das instalações, de falta de pessoal e de carência de medicamentos.
“Se os eleitores nos derem essa oportunidade, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o ex-secretário-geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.
Tanta modéstia até foi, é e será comovente. João Lourenço sabe bem que, com extrema facilidade, o MPLA só não terá uma vitória superior a 100% se o não quiser, seja quando for.
Segundo disse em 2012 João Lourenço, havia muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidora de cerca de 40 anos conseguiram, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra-estruturas.
Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelmente 40 anos (ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção (que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros.
Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios etc.. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA.
Na abertura dessa reunião, o presidente José Eduardo dos Santos disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor-se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais.
Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democráticos, coisa que Angola não é. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democraticidade, a ponto de que até os mortos votam.
“E é por estarmos conscientes de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o então presidente e dono do país.